21/03/2010

Martha Medeiros

 

À Jennifer Moyer

Martha Medeiros

 

Abri um livro e, antes de começar a lê-lo, me fixei na dedicatória da primeira página. Dizia: “Á memória de Jennifer Moyer, que deixou tudo melhor do que havia encontrado”. É o que todos nós gostaríamos de ver escrito no nosso obituário, imagino.

              Desconheço quem seja Jennifer Moyer, mas simpatizei com a moça (garanto que ela nunca deixou de ser moça, mesmo que tenho morrido aos 100 anos). Só as pessoas de alma jovem e sadia é que entendem que a gente não vem ao mundo para sugá-lo, para retirar dele o suco possível e deixar para trás o nosso lixo. Encontramos o mundo de um jeito, ao nascer. É uma questão de honra que ele esteja melhor ao partimos.

              Mas não é tarefa fácil. Eu desanimo quando vejo a quantidade de pessoas grosseiras que se reproduzem feito gremlins. O uso do palavrão, por exemplo, que foi assunto no final do ano passado: normal, todo mundo diz, faz parte do vocabulário de qualquer sociedade, mas uma coisa é usá-lo coloquialmente, quando a situação estimula o desabafo. Outra é popularizá-lo sem necessidade, perdendo a compostura justamente quando se deveria utilizar a hierarquia para dar bons exemplos, caso de presidentes da República, diretores de empresa, professores e pais. “Menino, vá estudar, ou quer ficar na merda pra sempre?” Essa deselegância no tratamento familiar é comum nos lares brasileiros, e, com aval público, tende a se perpetuar.

              Se a gente quer que nossos netos herdem um mundo melhor, é preciso arregaçar as mangas agora, por isso é que vale repetir: ninguém morre se caminhar três quadras em vez de usar o carro ou se procurar uma lixeira em vez de jogar a lata de refrigerante no meio da rua. E não é só a consciência ambiental que precisamos exercitar, mas também uma consciência básica sobre a arte de conviver. Não é possível que as pessoas sigam sento tão maldosas e ariscas, sempre alfinetando os outros, sempre interpretando erroneamente os bons atos e cultivando um complexo de perseguição que mina as relações. Ninguém mais acredita em ninguém, ninguém confia, todos vivem com a faca entre os dentes, temendo passar por otários. E é o que acabam sendo. Se tivessem uma visão um pouco mais pacifista, iriam facilitar muito as relações humanas. Esperar o melhor dos outros é uma atitude contagiante, mas, infelizmente, esperar o pior também é. E fica essa guerra de nervos no ar.

              Tenho uma visão bem individualista sobre o que torna o mundo mais habitável: cada um fazendo a sua parte já ajuda um bocado. Não estou falando apenas de contribuir com dinheiro para entidades carentes, adotar bichos de rua, doar sangue, mas também em cuidar do nosso humor, praticar a cortesia, aplaudir, elogiar – não há submissão nenhuma em ser positivo. Mas somos acomodados e preferimos esperar por soluções estabelecidas de cima para baixo, como se a nossa colaboração fosse inexpressiva.

              Dedico esta crônica à minha musa inspiradora de hoje, Jennifer Moyer, que sei lá o que fez para ser homenageada com uma dedicatória num livro, mas pouca coisa não foi: ou ela soube transmitir aos filhos a importância de se viver sem mágoas, ou ela soube cultivar seus amigos, ou ela sempre foi justa, ou não se deixou levar por vaidades bestas, ou simplesmente sorriu mais do que praguejou. Ou tudo isso junto, o que já é um belo lote de atos revolucionários.

 

Retirado da Revista O Globo, página 22

Domingo, 10 de janeiro de 2010