29/03/2010

Ponte-Boavida-Graca-Abrantes

 

 

 

4 - A DINÂMICA DA AULA DE MATEMÁTICA[1]

 

 

Neste capítulo descrevem-se os aspectos fundamentais da dinâmica do processo do ensino-aprendizagem na aula de Matemática do ensino secundário. As orientações curriculares actuais do ensino desta disciplina sublinham a importância de objectivos relacionados com o desenvolvimento de capacidades como a resolução de problemas, o raciocínio, a comunicação e o pensamento crítico; apontam igualmente a importância do desenvolvimento de atitudes e valores como o gosto pela Matemática, a autonomia e a cooperação. Para atingir estes objectivos é necessário proporcionar aos alunos experiências diversificadas, baseadas em tarefas matematicamente ricas, realizadas num ambiente de aprendizagem estimulante. Tudo isto implica alterações significativas tanto no papel do professor como no dos alunos.

Existem diversos tipos de aulas de Matemática, cada uma com a sua dinâmica própria. Em muitas aulas, os conceitos e o conhecimento matemático são introduzidos pelo professor e os alunos têm um papel de meros receptores de informação. Noutras, o saber é construído no decurso da própria actividade matemática, cabendo aos alunos um papel de participação activa e ao professor um papel de organizador e dinamizador da aprendizagem.

A dinâmica da aula resulta de muitos factores. Depende, em primeiro lugar, das tarefas matemáticas propostas pelo professor — não podem correr de modo semelhante aulas em que se indicam exercícios para resolver, se propõe a realização de uma investigação, se conduz uma discussão colectiva, ou não se dá nada aos alunos para fazer. Mas a dinâmica da aula é igualmente influenciada por factores que têm a ver com os alunos — com as suas concepções e atitudes em relação à Matemática, com os seus conhecimentos e experiência de trabalho matemático e, de um modo geral, com a sua forma de encarar a escola. Outros factores, relacionam-se com o contexto escolar e social — a organização e o funcionamento da escola, os recursos existentes e as expectativas dos pais e comunidade. Finalmente, a dinâmica da aula depende também, naturalmente, do próprio professor, do seu conhecimento e competência profissional — muito em especial, do modo como introduz as diferentes tarefas e apoia os alunos na sua realização.

A investigação sobre a aprendizagem tem mostrado que o aluno aprende em consequência da actividade que desenvolve e da reflexão que sobre ela faz. A actividade do aluno é assim um elemento fulcral do processo ensino-aprendizagem. Ao professor cabe favorecê-la, planeando e conduzindo aulas que tenham em conta as características e interesses dos alunos e tirem partido dos recursos existentes. Ele é chamado a criar as condições necessárias para a aprendizagem, utilizando meios como manuais escolares, fichas de trabalho, quadro, retroprojector, materiais manipuláveis, calculadora e computador.

A comunicação matemática é um aspecto também importante do processo de ensino-aprendizagem. É através da comunicação oral e escrita que os alunos dão sentido ao conhecimento matemático que vai sendo construído. Esta comunicação desenvolve-se com base na utilização de diversos tipos de materiais, bem como de diferentes modos de trabalho e na gestão do espaço e do tempo realizada pelo professor. Finalmente, o ambiente de aprendizagem e a cultura da sala de aula são elementos decisivos na aprendizagem. É na interacção dos indivíduos uns com os outros que se desenvolvem as capacidades cognitivas e se promovem as atitudes e valores indicados pelas orientações curriculares.

 

Dois retratos

 

Toca para a entrada. Faz-se a chamada. Discute-se o trabalho de casa. Resolvem-se alguns exemplos no quadro. Passa-se o trabalho para casa. O professor tira algumas dúvidas. Toca para a saída.

David Johnson, 1982

Every Minute Counts

 

É interessante salientar o interesse demostrado pelos alunos na realização dos seus trabalhos, dada a sua presença na sala de aula e participação na organização desta antes do toque da entrada (...) Encontravam-se dois grupos a trabalhar nos computadores enquanto os seus colegas trabalhavam na sala de aula (...) Como nem o Miguel nem a Dora sabiam quais os comandos necessários a introduzir para a impressão, a Dora virou-se para o outro grupo e disse “Sérgio estamos a precisar de ti” (...) Passado algum tempo, a professora surgiu na sala dando algumas orientações. Entre elas sugeriu ao grupo da Dora a outra parte do trabalho. Enquanto isso, o grupo do Pedro utilizava a máquina calculadora para fazer alguns cálculos. Achei interessante quando a professora se dirigiu ao Sérgio e perguntou: “Amanhã estás cá? Dás apoio?” Além de mostrar uma certa continuidade extra-aula no trabalho, denota por parte da professora confiança nos seus alunos, evidenciando-se um bom relacionamento professor-aluno para além de uma certa autonomia por parte dos alunos.

 

Registo de um observador, incluído em Paulo Abrantes, 1994

O Trabalho de Projecto e a Relação dos Alunos com a Matemática

 

Deste modo, procuramos neste capítulo discutir a articulação entre tarefa e actividade, bem como entre discurso e comunicação. Analisamos o processo de negociação de significados matemáticos, os diferentes modos de trabalho dos alunos e os elementos que compõem o ambiente de aprendizagem. Procuramos, assim, traçar o quadro das diversas opções que se oferecem ao professor que pretende reflectir sobre a sua actividade docente, adaptando-a da melhor maneira às necessidades dos seus alunos.

 

 

4.1 - Tarefa e actividade

 

 

A natureza das tarefas propostas pelo professor e das actividade realizadas pelos alunos constitui um factor decisivo na dinâmica da sala de aula de Matemática e, deste modo, no processo de ensino-aprendizagem. Os conceitos de tarefa e actividade, que não devem ser confundidos entre si, têm assim um lugar de destaque na educação matemática.

 

4.1.1 - Relação entre tarefa e actividade

 

As tarefas matemáticas em que os alunos se envolvem — problemas, investigações, exercícios, projectos, construções, aplicações, produções orais, relatórios, ensaios escritos, etc. — proporcionam o ponto de partida para o desenvolvimento da sua actividade matemática. As tarefas devem despertar curiosidade e entusiasmo, fazendo apelo aos seus conhecimentos prévios e intuições.

 

A actividade do aluno

 

A natureza da actividade dos alunos na aula de Matemática é uma questão central no ensino desta disciplina. A aprendizagem da Matemática é sempre produto da actividade, e se esta se reduz, por exemplo, à resolução repetitiva de exercícios para aplicação de certas fórmulas, é exactamente isto que se aprende e vai perdurar, enquanto ficar a memória das fórmulas. Além disso, essa é a imagem adquirida da Matemática.

APM, 1988

Renovação do Currículo da Matemática

 

A actividade, que pode ser física ou mental, diz respeito ao aluno. Refere-se àquilo que ele faz num dado contexto, podendo incluir a execução de numerosos tipos de acção. Pelo seu lado, a tarefa constitui o objectivo de cada uma das acções em que a actividade se desdobra e é basicamente exterior ao aluno (embora possa ser decidida por ele). As tarefas são, na maior parte das vezes, propostas pelo professor; mas, uma vez propostas, têm de ser interpretadas pelo aluno e podem dar origem a actividades muito diversas (ou a nenhuma actividade), conforme a disposição do aluno e o ambiente de aprendizagem da sala de aula.

A tarefa propriamente dita pode apontar para diversas estruturas ou conceitos matemáticos. Mas estes, estritamente falando, não se encontram na tarefa. Têm de ser por nós interpretados — e nessa interpretação intervêm sempre factores de natureza psicológica, cultural e sociológica. Quando o professor selecciona, adapta ou cria uma tarefa deve ter em conta as características dos alunos, os seus interesses e a sua forma de aprendizagem da Matemática.

 

Características das tarefas

 

Na aula de Matemática o professor deve propor tarefas[2] baseadas em:

Matemática sólida e significativa;

conhecimento das aptidões, interesses e experiências dos alunos;

conhecimento da variedade de formas pelas quais os diversos alunos aprendem Matemática;

e que:

apelem à inteligência dos alunos;

desenvolvam a compreensão e aptidões matemáticas dos alunos;

estimulem os alunos a estabelecer conexões e a desenvolver um enquadramento coerente para as ideias matemáticas;

apelem à formulação e resolução de problemas e ao raciocínio matemático;

promovam a comunicação sobre matemática;

mostrem a matemática como uma actividade humana permanente;

tenham em atenção e assentem em diferentes experiências e predisposições dos alunos;

promovam o desenvolvimento da predisposição de todos os alunos para fazer matemática.

 

NCTM, 1991

Normas Profissionais para o Ensino da Matemática

 

Uma tarefa envolve sempre uma dada situação de aprendizagem e aponta para um certo conteúdo matemático. A situação de aprendizagem constitui o referente de significados da vida quotidiana ou do domínio da Matemática a que a tarefa se refere, no quadro da cultura do aluno. O conteúdo matemático diz respeito aos aspectos matemáticos envolvidos (factos, conceitos, processos, ideias), no quadro do currículo correspondente. Tanto a situação de aprendizagem como o conteúdo matemático devem apontar de modo sugestivo para conceitos e processos e proporcionar ao aluno uma boa oportunidade de se envolver em actividade matemática.

A mesma situação de aprendizagem e o mesmo conteúdo podem originar diferentes tipos de actividade consoante a tarefa proposta, o modo como for apresentada aos alunos, a forma de organização do trabalho e o ambiente de aprendizagem. O exemplo seguinte procura ilustrar esta ideia.

 

A encomenda de calças

 

Um cliente da empresa Confecções do Centro, Lda fez-lhe uma grande encomenda de pares de calças de dois modelos diferentes mas com a condição de haver uma entrega diária de 120 pares de calças. A possibilidade de produção da empresa, dado o capital fixo disponível, estão limitadas à utilização de 300 metros de tecido e 300 horas de trabalho. A confecção de um par de calças do modelo A gasta 2 metros de tecido e três horas de trabalho enquanto que para o modelo B são necessários 3 metros de tecido e 1.5 horas de trabalho. O lucro proporcionado por cada par de calças dos modelos A e B é de 1500 e 2000 escudos respectivamente.[3]

 

A situação de aprendizagem refere-se a uma empresa que fabrica calças de vários modelos. O conteúdo matemático remete para temas do programa do 10º ano: funções e gráficos, generalidades; funções polinomiais. O seu estudo envolve diversos pré-requisitos: conhecimento da função afim; reconhecimento dessa função através do gráfico, esboço do gráfico e reconhecimento de algumas das suas propriedades (monotonia e zeros de forma apenas intuitiva e usando os conhecimentos sobre equações); capacidade de resolver equações e inequações do 1º grau e de equações do 2º grau; conhecimento dos números reais e representação de intervalos de números reais.

Com base nesta situação de aprendizagem podemos pensar em diferentes tarefas. Assim, T1 constitui um simples exercício. A ênfase é dada ao cálculo. São utilizados processos rotineiros e a única actividade pedida é encontrar a solução.

T2 constitui um problema susceptível de despertar a curiosidade dos alunos e de os motivar a tentar descobrir uma estratégia de resolução. Será importante dar atenção à discussão dos conceitos envolvidos e das estratégias seguidas, à argumentação, às tentativas de prova e à crítica dos resultados.


T1 - Determine o lucro obtido pela empresa ao vender 600 pares de calças do modelo A e 300 pares de calças do modelo B.

T2 - Admitindo que o lucro por cada par de calças é o lucro médio (a partir da produção máxima de cada um dos modelos) e que por cada dez pares de calças produzidas esse lucro tem um aumento de 0.5%, qual é o valor exacto do lucro da empresa quando se vendem 53 pares de calças do modelo A ?

T3 - Investigue se a empresa tem condições para responder favoravelmente à  encomenda que lhe é feita pelo cliente.

T4 - Averigúe se a empresa deve ser incluída no grupo de empresas de pequena, média ou grande dimensão.

• A partir de um certo número de unidades, a produção pode necessitar de alteração dos custos fixos. Será que uma maior produção origina sempre um  maior lucro?

• Tente investigar numa unidade produtiva da sua zona, a influência da variação dos preços da energia, no custo médio dos produtos e nos lucros que a empresa vai obter com essa produção.

• Que estratégias poderia o empresário adoptar para tentar repor os lucros no seu nível médio?

• Produza um relatório que sintetize as suas conclusões sobre os aspectos referidos anteriormente.

 

Pelo seu lado, T3 é uma tarefa de investigação. Trata-se uma questão aberta, de cunho problemático, cuja realização pode demorar um conjunto de aulas. O aluno tem de formular objectivos mais precisos para investigar, formular conjecturas, testá-las e, eventualmente, demonstrá-las. Este tipo de trabalho favorece o desenvolvimento do espírito de observação e do sentido crítico, a capacidade de sistematização de resultados parcelares e de abstracção, bem como as capacidades de argumentação e de demonstração.

A tarefa T4 pode constituir o ponto de partida para um trabalho de projecto. Esta proposta pode envolver outras disciplinas, desenrolando-se por um período alargado de tempo. A tarefa poderá ser realizada em diferentes etapas que conduzam ao objectivo pretendido.

As tarefas têm, portanto, diferentes potencialidades. Cada uma delas será adequada para atingir determinados objectivos. Deste modo, torna-se particularmente relevante a escolha de tarefas que propiciem ao aluno experiências diversificadas e interessantes. O professor pode encontrar várias tipos de tarefas nos manuais escolares. Cabe-lhe, no entanto, adaptar e elaborar os seus próprios materiais de acordo com as características dos seus alunos de modo a encorajá-los a raciocinar sobre as ideias matemáticas e a estabelecer relações entre elas. Assim, será importante levá-los a comunicar entre si, argumentar e validar os seus raciocínios.

 

A variedade de tarefas e actividades na sala de aula

 

A variedade de tarefas e actividades para possível uso do professor de Matemática é tão lata, que torna surpreendente que a aula de Matemática típica seja um local tão rotineiro e ritualista como é frequentemente descrito. Esta semelhança é devida em grande parte à estruturação da lição. A alteração para a ideia de “actividade” poderá dar um grande contributo para quebrar esta monotonia.

 

Alan Bishop e Fred Goffree, 1986

A dinâmica e a organização na sala de aula

 

4.1.2. Da tarefa à actividade

 

Apresentamos seguidamente algumas tarefas incluídas num trabalho de investigação conduzido por Susana Carreira, A aprendizagem da trigonometria num contexto de aplicações e modelação com recurso à folha de cálculo, discutindo os aspectos mais relevantes da actividade dos alunos. O trabalho aqui relatado foi antecedido por 3 aulas, que constituíram as primeiras aulas de trigonometria do ano lectivo. Fez-se o estudo de aspectos introdutórios das razões trigonométricas de um ângulo agudo em triângulos rectângulos e das razões trigonométricas dos ângulos de 30º, 45º e 60º.

 

Experiência anterior dos alunos

 

A turma de que nos ocupamos tem 29 alunos, 24 rapazes e 5 raparigas, com idades variando entre os 15 e os 18 anos. Relativamente à disciplina de Matemática, 13 alunos obtiveram negativa no 1º e no 2º períodos. Não existem divergências entre as classificações obtidas em Matemática e nas outras disciplinas. A turma pertence à área vocacional de Informática, sabendo alguns dos seus elementos trabalhar com a folha de cálculo.

 

Espaço físico e materiais de apoio

 

As aulas tiveram lugar em salas normais e na sala do projecto MINERVA da escola, que dispunha de cinco computadores e foi equipada com mais três cedidos por uma empresa de equipamentos informáticos, expressamente para desenvolver o projecto.

Foi usado um guião de utilização da folha de cálculo com um resumo dos comandos essenciais e opções a usar na construção de gráficos; um modelo para a elaboração dos relatórios escritos de cada uma das tarefas desenvolvidas com o computador, contendo os critérios de avaliação desses trabalhos; uma disquete para a gravação do trabalho (atribuída a cada grupo); retroprojector e fichas de trabalho.

 

Ambiente de aprendizagem e modo de trabalho dos alunos

 

A turma é em geral participativa mas revela discrepâncias entre a participação nas aulas e as classificações obtidas em provas de avaliação. Na generalidade, os alunos revelam um espírito curioso e interessado por aquilo que se passa à sua volta e trabalham habitualmente em grupo na aula de Matemática. Na opinião da professora, eles trabalham bem nas actividades especificamente propostas para a realização em grupo e funcionam de uma forma natural aos pares.

A tarefa foi realizada em grupos heterogéneos de 2 ou de 4 alunos formados espontaneamente por estes.

 

Conteúdo matemático e situação de aprendizagem

 

O conteúdo matemático a que se refere esta actividade é a aplicação de conceitos e relações referentes às razões trigonométricas de um ângulo agudo, de ângulos complementares e dos ângulos de 30º, 45º e 60º, a situações da vida real, estando também presentes conceitos de geometria relativos a sólidos e suas áreas e volumes.

A situação de aprendizagem que serviu de base à construção das tarefas refere-se a embalagens de produtos de beleza.

 

Tarefa e modo como foi proposta

 

O trabalho iniciou-se numa aula de duas horas. Os grupos concentraram-se na leitura da situação. Alguns alunos colocaram questões sobre a fórmula do volume da pirâmide. Como nenhum aluno sabia a fórmula, ela foi-lhes fornecida pela professora. Os alunos receberam quatro pirâmides quadrangulares em cartolina que circularam pelos diferentes grupos durante a aula. Existiam duas pirâmides com a mesma base e alturas diferentes e outras duas com a mesma altura e bases diferentes. Os alunos não fizeram qualquer menção de relacionar as várias pirâmides. Preocuparam-se em saber se a fórmula do volume era a mesma caso as bases não fossem quadrados mas outros polígonos. Joana trocou impressões com os colegas a propósito de alguns termos: aresta, vértice, altura e face lateral.

 

A embalagem ideal

 

Uma fábrica de cosméticos pretende lançar no mercado uma nova marca de sais de banho. A imagem de marca do produto tem como fonte de inspiração o Oriente. Assim, a forma da embalagem deverá combinar com o exotismo da fragrância e com o próprio nome que a identifica: “EGYPTUM”. A fábrica encomendou a uma firma especializada um projecto para a embalagem, com os seguintes requisitos:

 

 

                                                                         a

                                                                           s

 

- A embalagem, a ser construída em vidro delicado, deverá possuir um formato condizente com as características exóticas do perfume dos sais de banho.

- A forma da embalagem deverá permitir um fácil empacotamento de várias unidades em caixas, tendo em vista as perspectivas do produto em grande quantidade.

- Cada embalagem deverá ter uma capacidade compreendida entre 270 e 540 centímetros cúbicos.

Uma das ideias surgidas foi uma embalagem em forma de pirâmide quadrangular (observa a figura), alusiva às pirâmides do Egipto e cuja tampa seria a própria base amovível. A equipa de designers estabeleceu como critérios para a construção da embalagem, os seguintes:

- A estabilidade, definida através da razão entre a altura da pirâmide e a semi-diagonal da base: E=a/s

- A área total da pirâmide que estaria ligada ao custo em material: menor área significa menor custo.

- A facilidade de empacotamento das pirâmides em caixas, aproveitando ao máximo o espaço interior da caixa.

 

 

Tarefa - Relatório sobre a embalagem ideal

 

Elabora um breve relatório em que apresentes à fábrica de cosméticos a  embalagem que julgares mais adequada, de modo a convenceres o cliente das vantagens da solução que propões com base nos estudos feitos.

 

Colocada neste termos, a tarefa assumia as características de um trabalho de projecto que levaria, por certo, várias aulas a concluir. A professora optou por modificar a tarefa, desdobrando-a em diversas subtarefas mais específicas (T1, T2, T3, T4, T5, T6 e T7), algumas com um cunho mais problemático, outras essencialmente de cálculo.

 

Subtarefas

 

T1 - Os elementos da equipa verificaram que a estabilidade da pirâmide seria tanto maior quanto menor fosse o valor da razão E. Ilustra esta conclusão por meio de um esquema elucidativo.

 

T2 - A razão de estabilidade E corresponde à tangente trigonométrica de um ângulo existente na pirâmide. Qual é esse ângulo? Que amplitudes poderá ter esse ângulo? Como será a variação da estabilidade à medida que esse ângulo aumenta?

 

T3 - A equipa responsável pelo projecto resolveu considerar os três casos possíveis para o comprimento da aresta da base da pirâmide: aresta 1 = 6 cm; aresta 2 = 9 cm; aresta 3 =12 cm. Tendo em conta os volumes admissíveis indica, para cada caso, os valores possíveis para a altura da pirâmide.

 

T4 - Tomando uma série de valores para a altura da pirâmide, em cada um dos casos, averigua o que sucede à estabilidade obtida. Quais serão, em cada caso, as pirâmides mais estáveis e as menos estáveis? Justifica a tua resposta. Se achares conveniente ilustra por meio de gráficos.

 

T5 - Determina em cada caso o volume correspondente a cada altura considerada.

 

T6 - Determina também, em cada caso, a área total da pirâmide correspondente a cada altura considerada.

 

T7 - Uma vez acordado que uma estabilidade aceitável corresponde a um valor de razão E compreendido entre 1 e 2.5, procura decidir em função dos critérios da equipa, qual ou quais seriam as pirâmides mais vantajosas.

 

Na realização das subtarefas, os alunos começaram por procurar referentes para a clarificação do contexto real. Eles dialogaram entre si, explicitando as suas ideias sobre os objectos, fenómenos e situações descritos. Frequentemente, estas discussões incluíram o confronto de perspectivas para aferir o sentido de diversos pormenores do cenário extra-matemático. Os alunos foram criando imagens mentais da situação apresentada que materializaram em esboços esquemáticos que ilustram aspectos essenciais do modelo real.

Assim, na subtarefa T1 os alunos procuraram interpretar a noção de estabilidade e foram levados a imaginar formas de pirâmides mais ou menos estáveis. A estabilidade surgiu como um conceito de natureza não matemática, ligado à ideia de maior ou menor facilidade em derrubar a pirâmide. Esta formulação de estabilidade revelou-se importante para a construção do conceito funcional de estabilidade expresso na conclusão — a estabilidade depende da base e da altura.

A representação através de esquemas foi importante para a interpretação da estabilidade como função de certos ângulos definidos na pirâmide. Ao analisarem a influência dos ângulos e os alunos observaram de que forma a variação da tangente está relacionada com a variação do ângulo.

Nas diversas subtarefas os alunos tiveram ainda oportunidade de realizar discussões entre si, definir uma estratégia, ajudando-se mutuamente na compreensão das condições da situação e da estratégia a seguir, colocar questões à professora, tirar conclusões e ilustrá-las por meio de esquemas, usar a folha de cálculo para realizar cálculos, comparar resultados feitos com e sem computador, definir critérios e redigir o relatório pretendido. Trata-se de um bom exemplo de uma tarefa realizada em grupo que culminou num relatório de que apresentamos um extracto.

 

Extracto do relatório dos alunos sobre o problema das pirâmides

 

Achámos necessário utilizar o triângulo rectângulo existente na pirâmide da Actividade A1 [tarefa 1]:

O ângulo existente na pirâmide correspondente à tangente trigonométrica que irá ser equivalente à razão E, é-nos dado pelo a, pois:

 

 

 

A amplitude do ângulo é >0º e <90º, pois se for 0º a aresta lateral vai ficar coincidente com a semidiagonal da base. Se for 90º a altura vai ser infinita.

Como será a variação da estabilidade à medida que o referido ângulo aumenta??

Para explicar melhor a resposta, pensámos que era importante fazer um desenho que fosse mostrando o que acontece à medida que o ângulo a aumenta.

Se o ângulo a aumentar

Se o ângulo aumentar ainda mais

Como já concluímos nas anteriores questões, à medida que a altura aumenta, a estabilidade vai diminuindo. Assim:

 

> a origina > altura e implica < estabilidade.

 

Achámos curioso o outro ângulo b. Então fizemos uma breve reflexão sobre o referido ângulo:

 

A conclusão foi a seguinte: à medida que o ângulo b aumenta, a altura diminui. Como vimos anteriormente, quanto menor for a altura maior é a estabilidade. Assim:

> b origina <altura e implica > estabilidade”.

 

 

4.2 - Comunicação e negociação

 

 

O ensino-aprendizagem da Matemática envolve, como vimos, interacções dos alunos entre si e entre os alunos e o professor. Duas dessas formas de interacção assumem um papel fundamental, a comunicação e a negociação de significados. A comunicação refere-se à interacção dos diversos intervenientes na sala de aula, utilizando uma linguagem própria, que é um misto de linguagem corrente e de linguagem matemática. A negociação de significados respeita ao modo como alunos e professores expõem uns aos outros o seu modo de encarar os conceitos e processos matemáticos, os aperfeiçoam e ajustam ao conhecimento matemático indicado pelo currículo.

 

4.2.1 - Comunicação na aula de Matemática

 

A comunicação matemática na sala de aula é um dos aspectos que mais atenção tem vindo a merecer no conjunto das actuais orientações curriculares para o ensino da Matemática. Ela é, ao mesmo tempo, um indicador da natureza do processo de ensino-aprendizagem e uma condição necessária para o seu desenvolvimento.

A comunicação é habitualmente analisada através do discurso dos diversos intervenientes. Na linguagem comum, discurso significa uma longa intervenção por parte de um orador, muitas vezes revestida de uma certa formalidade. No sentido técnico da linguística, discurso tem um significado muito diferente. Indica o modo como os significados são atribuídos e partilhados por interlocutores em situações concretas e contextualizadas. Envolve tanto o modo como as ideias são apresentadas como aquilo que elas veiculam implicitamente. Deste modo, o discurso pode ser oral, escrito ou gestual e existe necessariamente, sob uma ou outra forma, em toda a actividade de ensino-aprendizagem.

Nas aulas de Matemática, os intervenientes no discurso são o professor e os alunos. De um modo geral, o discurso é controlado pelo professor, podendo este atribuir aos alunos uma participação mais ou menos significativa. Pelo seu lado, os alunos, nem sempre aceitam completamente o controlo do seu discurso, procurando exprimir-se por meios próprios, por vezes em declarado conflito com as intenções do professor.

A comunicação oral tem um papel fundamental na aula de Matemática. Ela é imprescindível para que os alunos possam exprimir as suas ideias e confrontá-las com as dos seus colegas. A comunicação oral é determinante no que os alunos aprendem acerca da disciplina, quer sobre os conteúdos, quer sobre a própria natureza da Matemática.

 

O discurso na sala de aula

 

O discurso implica aspectos fundamentais do conhecimento: O que faz com que algo seja  verdade ou plausível em Matemática? Como se pode descobrir se uma coisa faz ou não sentido? Que uma coisa é verdade porque o livro ou o professor o dizem, é o argumento básico no discurso de muitas aulas tradicionais. Uma outra visão, aquela que é avançada aqui, centra-se no raciocínio e evidência matemática como base do discurso. Para que os alunos desenvolvam a capacidade de formular problemas, de explorar, conjecturar, e raciocinar logicamente, de avaliar se uma coisa faz sentido, o discurso da aula deve estar baseado na evidência matemática.

 

NCTM, 1994

Normas Profissionais para Ensino da Matemática

 

A condução do discurso na sala de aula é parte importante do papel do professor. Cabe-lhe colocar questões e propor tarefas que facilitem, promovam e desafiem o pensamento de cada aluno. Para isso, o professor precisa de saber ouvir com atenção as ideias dos alunos e pedir-lhes que as clarifiquem e justifiquem, oralmente ou por escrito. Ele tem de gerir a participação dos alunos na discussão e decidir quando e como encorajar cada aluno a participar. A condução do discurso impõe ao professor constantes decisões — o que deve ser aprofundado, quando se deve introduzir notações matemáticas e linguagem matemática, quando deve fornecer informação, quando deve deixar os alunos lutarem com uma dada dificuldade, etc.

A comunicação escrita proporciona uma oportunidade também importante de expressão das ideias matemáticas. Os registos efectuados no quadro e no caderno do aluno desempenham um papel estruturante, muitas vezes decisivo, das actividades de aprendizagem. Na prática, a produção escrita por parte dos alunos tende a ser muito limitada, reduzindo-se muitas vezes à realização de cálculos necessários à resolução de exercícios e problemas. No entanto, hoje reconhece-se que ela pode ter um papel mais importante no ensino da Matemática. Assim, começa a pedir-se cada vez mais aos alunos para redigirem relatórios ou ensaios explicando e justificando os seus raciocínios.

Uma das formas mais importantes que o professor dispõe para orientar o discurso na sala de aula é fazendo perguntas aos alunos. Questionando-os, o professor pode detectar dificuldades ao nível da compreensão dos conceitos e dos processos matemáticos, ajudá-los a pensar, motivá-los para participar e saber se eles estão a acompanhar o trabalho da aula.

 

Relatório sobre a resolução de um problema no computador

 

Depois de desenhar aquilo que nos era dado, tentámos resolver o nosso problema. Então fizemos uma recta t paralela à recta r que passava pelo ponto A e logo depois fizemos uma recta p perpendicular à recta r passando pelo ponto B. Depois achámos o ponto de intersecção das rectas t e p e achámos o ponto E. Pensámos que o ponto E fosse o centro da circunferência pedida mas a olho nu verificámos que não e então tentámos de outra maneira. Depois desta nossa tentativa falhada, voltámos a falhar numa tentativa que consistiu em achar a mediatriz de [AB] e depois o ponto de intersecção D desta recta com a recta t. Então fizemos uma circunferência com centro em D e verificámos que não era tangente, mas por pouco, daí então vimos que estávamos perto. Então surgiu-nos fazer intersectar a mediatriz m com a recta p (perpendicular à recta dada) e então deu-nos o ponto C. Fizemos uma circunferência com centro em C e raio e deu-nos a circunferência que procurávamos. Esta circunferência i era tangente à recta r. Para o verificarmos fizemos a intersecção da circunferência i com a recta r e deu-nos como resultado que eram tangentes (...)

 

Manuel Saraiva, 1991

O computador na aprendizagem da Geometria:

Uma experiência com alunos do 10º ano de escolaridade

 

Fazer boas perguntas não é tão simples como parece. Perguntas que suscitem resposta do tipo “sim” ou “não” ou que, na sua formulação, já incluem a própria resposta, não ajudam muito o aluno a raciocinar.

Os alunos devem explicar o significado de conceitos, fazer conjecturas, propor estratégias e soluções para os problemas, devem poder discutir, testar, aplicar e verificar as suas descobertas. Para isso, precisam de falar, quer uns com os outros, quer com o professor. Quando os alunos raciocinam em voz alta acerca da Matemática, as ideias e o conhecimento são desenvolvidos em cooperação. Na resolução de um problema, os professores devem explorar as sugestões dos alunos, ajudá-los a avaliar as sugestões uns dos outros e reflectir criticamente sobre elas, levantando objecções e implicações. A participação activa dos alunos na aprendizagem deve proporcionar múltiplas oportunidades para discutir, colocar questões e reforçar a compreensão da Matemática e da sua ligação à vida corrente.

Os alunos devem aprender a verificar, rever e rejeitar afirmações com base em raciocínios matemáticos. É através da comunicação que tomam consciência dos processos de construção e validação do conhecimento matemático, que aprendem as razões que fazem com que algo tenha ou não sentido, que determinam se uma certa afirmação é ou não verdade em Matemática.

O discurso na aula de Matemática deve ser conduzido pelo professor de modo a que os alunos oiçam, respondam, comentem e façam perguntas uns aos outros. O professor deve procurar que os alunos tenham a iniciativa de formular problemas e fazer perguntas, façam conjecturas e apresentem soluções, explorem exemplos e contra-exemplos na investigação de uma conjectura e utilizem argumentos matemáticos para determinar a validade de afirmações, tentando convencer-se a si próprios e aos outros. Os alunos devem habituar-se a usar uma diversidade de ferramentas para raciocinar e comunicar, incluindo o quadro, o retroprojector, cartazes, a calculadora, o computador e outros materiais e suportes.

 

A arte de questionar

 

1. Tento fazer uma pausa depois de uma pergunta (...) A pausa deixa claro que a pergunta é dirigida a todos, e não apenas a um ou dois dos mais rápidos e dos que levantam a mão. Muitos alunos nem sequer tentam responder a uma pergunta a não ser que sintam seguros da resposta. Uma pausa maior dá-lhes tempo para pensar e para ganhar confiança antes de responderem (...)

3. Tento evitar responder às minhas próprias perguntas. Muitas vezes, costumava responder às minhas próprias perguntas quando não havia um voluntário para fazê-lo ou quando estava com pressa. Isto levava os alunos a pensar que eles não eram obrigados a responder.

4. Tento fazer, a seguir às respostas dos alunos, a pergunta “porquê?”. Isto ajudará os alunos que não sabiam responder à pergunta inicial a compreender como é que se chegou à resposta. Encorajará igualmente a discussão entre os alunos e eliminará as respostas ao acaso. Ouvir uma resposta curta raramente se torna útil. “Porquê?” deveria ser uma das perguntas mais frequentemente usadas na sala de aula.

5. Tento limitar o uso de perguntas que se baseiam quase exclusivamente na memória. Os alunos podem ser perfeitamente capazes de recitar, por exemplo, a propriedade associativa, mas isso não significa que eles reconheçam a propriedade ou a apliquem numa situação nova (...)

8. Tento que a seguir à resposta de um aluno haja uma reacção por parte da turma ou de um outro aluno. Esta é uma outra forma de encorajar os alunos a ouvirem-se uns aos outros (...)

9. Tento insistir na atenção durante as discussões. Pretendo que todos os alunos aprendam a ouvir — a ouvir-me a mim, a ouvirem-se uns aos outros, a ouvirem toda a gente.

15. Tento fazer perguntas abertas. Poderia perguntar, por exemplo, “qual é a maior, (b) ou (-b) ?” Os alunos que tentarem responder a isto, rapidamente descobrirão que não há uma resposta única e directa. Uma pergunta como esta pode provocar uma discussão viva, levando os alunos a uma compreensão mais profunda de variáveis e números negativos (...)

18. Tento substituir exposições por um conjunto de perguntas apropriadas. Com alguma orientação, os alunos podem descobrir as mesmas ideias que eu tinha planeado transmitir-lhes de um modo expositivo (...)

19. Tento evitar que as perguntas façam apelo a respostas orais em grupo. O interesse da informação que obtenho desse tipo de respostas é duvidoso. Poderia perguntar, por exemplo, “a que é igual a soma de 7x e 5x, turma?”. Ouviria a turma inteira a responder numa entoação de rotina: “12x”. Mas significa isso que todos compreendem? (...)

David Johnson, 1982

Every Minute Counts

 

Na verdade, o trabalho com a calculadora e o computador, se for baseado em tarefas interessantes e desafiantes, pode favorecer a formulação de conjecturas por parte dos alunos, estimular uma atitude investigativa e enriquecer o tipo de raciocínios e de argumentos por eles utilizados. Para isso, é fundamental que eles adquiram à vontade e destreza no uso da tecnologia e possam usá-la com flexibilidade, quando ela se torna útil e pertinente. O trabalho com outros materiais (por exemplo, no estudo da geometria) pode proporcionar igualmente situações muito ricas do ponto de vista do envolvimento dos alunos, do seu raciocínio e da comunicação matemática.

Em qualquer aula de Matemática, da mais inovadora à mais tradicional, existe sempre um fluxo contínuo de comunicação. O professor deve garantir que essa comunicação se efectua nos dois sentidos — dele para os alunos e dos alunos para si. O professor deve ainda valorizar a comunicação entre os próprios alunos, estabelecendo, para isso, as regras adequadas. Da fluência e da naturalidade da comunicação entre os diversos intervenientes, bem como da diversificação dos suportes (orais, escritos, usando meios audiovisuais ou novas tecnologias) depende grande parte do sucesso no desenvolvimento dos conhecimentos, capacidades, atitudes e valores estabelecidos no currículo.

 

4.2.2 - Negociação de significados

 

Uma negociação é uma interacção entre dois ou mais intervenientes, com pontos de partida e interesses muitas vezes diferentes, que podem dar algo uns aos outros, beneficiando todos. No processo de ensino-aprendizagem, o professor e os alunos têm, à partida, experiências e conhecimentos muito diversos. O professor — pelo menos em princípio — é o perito e o aluno o aprendiz. Para o professor, os conceitos matemáticos têm um significado rico, pleno de ligações com outros conceitos e processos matemáticos. Para os alunos, os conceitos matemáticos, começam por não ter qualquer significado. Ambos estão — também, pelo menos em princípio — interessados em que haja aprendizagem. Assim, a negociação do significado matemático na sala de aula constitui um aspecto importante do processo de aprendizagem. Torna-se, por isso, importante caracterizar o papel nela assumido pelo professor e pelos alunos.

 

Significado matemático

 

O significado matemático é obtido através do estabelecimento de conexões entre a ideia matemática particular em discussão e os outros conhecimentos pessoais do indivíduo. Uma nova ideia é significativa na medida em que cada indivíduo é capaz de a ligar com os conhecimentos que já tem. As ideias matemáticas formarão conexões de alguma maneira, não apenas com outras ideias matemáticas como também com outros aspectos do conhecimento pessoal. Professores e alunos possuirão o seu próprio conjunto de significados, únicos para cada indivíduo (...)

Na partilha de significados o professor que deseja promover a negociação na sala de aula deve ainda ter em conta que precisa de questionar e responder a questões, dar razões e pedir razões, clarificar e pedir clarificação, dar analogias e pedir analogias, descrever e pedir descrições, explicar e pedir explicações dar e receber exemplos. A simetria é óbvia e, podíamos argumentar, necessária se queremos que ocorra uma genuína negociação de significados.

 

Alan Bishop e Fred Goffree, 1986

A dinâmica e a organização na sala de aula

 

A negociação de significados matemáticos na sala de aula implica que cada um dos intervenientes, professores e alunos, tornem os seus próprios significados visíveis no processo. Através das trocas de ideias, cada um fica a conhecer melhor os referentes do outro e as sua ligações com o conhecimento matemático. Neste processo, a discussão sobre diferentes temas bem como a reflexão sobre tarefas já previamente realizadas pelos alunos desempenha um importante papel.

Ao professor cabe estabelecer as condições necessárias ao desenvolvimento normal do processo de negociação de significados matemáticos na sala de aula. Assim, deve estimular os alunos a falar e contribuir com frequência. Os alunos, pelo seu lado, necessitam de desenvolver confiança na sua participação neste processo e interiorizar as regras adequadas ao seu desenvolvimento. Assim, precisam de compreender que devem dar uns aos outros a possibilidade de contribuírem, tratar as diversas contribuições com respeito, perguntar, quando não se entende o contributo dos outros, objectar se sentem que uma contribuição é de algum modo inválida, apresentar razões para as afirmações realizadas e tentar separar a ideia da pessoa que a dá. É claro que todas estas normas de procedimento são igualmente válidas para os professores.

 

Desenvolver a compreensão matemática

P: Vamos formular o nosso problema: supondo que um navio consome uma certa quantidade q de óleo por milha à velocidade, digamos, 20 nós, e os tanques têm a capacidade de T toneladas de óleo, quantas milhas pode o navio viajar sem se reabastecer?

A: O que é que q e T significam?

P: Porquê? q significa a quantidade de óleo consumido por milha e T a capacidade do tanque em toneladas.

A: Porque é que tu não nos dá os números? Podíamos fazer um problema.

P: Porque não resolvê-lo sem números?

A: Eu podia resolvê-lo se tivesse números.

P: Diz-me como.

A: Dividia o número de toneladas no tanque pelo consumo por milha.

P: Porque é que não indicas a divisão?

A: Eu podia, mas não sei o que dividir pelo quê.

P: Mas tu sabes, tens tudo o que precisas. Tenta fazê-lo. Usa as letras. T para o número de toneladas e q para a quantidade de óleo consumido por milha. O que é que vais escrever para a incógnita?

A: Vamos chamar-lhe A.

P: Está bem, então A vai ser igual a quê?

A: A é igual a T a dividir por q

(...) Uma “intervenção” particular da professora, “Diz-me como”, usa positivamente o poder, convidando o aluno a explicar e a clarificar publicamente os seus pensamentos e conhecimentos. Isto facilita à professora desenvolver o significado matemático dos alunos com sucesso. Tais momentos são críticos; o acontecimento (e a intervenção) parece relativamente insignificante, no entanto quando se acumulam produzem um ambiente de aprendizagem totalmente diferente do que aquele que é criado pelo professor que “impõe”. Além disso, à medida que os alunos ficam mais velhos, aprendem mais acerca dos significados matemáticos e ganham confiança no uso das técnicas de negociação podem entrar conjuntamente no processo de aprendizagem, muitas vezes tomando mais do poder e controlo do professor.

 

Alan Bishop e Fred Goffree, 1986

A dinâmica e a organização na sala de aula

 

 

4.3 - Ambiente de aprendizagem

 

 

O ambiente de aprendizagem assume um papel de grande relevância na forma como os alunos aprendem Matemática. Este ambiente pode traduzir um maior ou menor envolvimento no trabalho e uma maior rigidez ou informalidade nas relações entre os diversos intervenientes. Para além das tarefas propostas e do tipo de comunicação e negociação de significados, o ambiente de aprendizagem depende de dois factores essenciais: a cultura da sala de aula e o modo de trabalho dos alunos.

 

4.3.1 Ambiente de aprendizagem e cultura da sala de aula

 

Na caracterização do ambiente de aprendizagem há dois aspectos decisivos: o que é permitido e o que é esperado dos diferentes actores. O que é permitido que os alunos façam? Podem fazer perguntas em voz alta ao professor? Podem trocar-se impressões com os colegas do lado? De que modo é que o professor se relaciona com os diferentes alunos? Solicita a sua participação? Trata todos de modo idêntico? Que expectativas tem que os alunos realizem o trabalho proposto?

O ambiente de aprendizagem é condicionado pelas características físicas da sala de aula, como o espaço existente, as mesas e cadeiras, a luz, o isolamento em relação a ruídos do exterior, etc. Mas é sobretudo influenciado pela relação de poder estabelecida e pelos papéis atribuídos aos alunos e ao professor. Ou seja, subjacente ao ambiente de cada aula há uma determinada cultura que regula as normas de comportamento e de interacção e estabelece as expectativas dos respectivos intervenientes.

Na verdade, as salas de aula constituem verdadeiras microculturas onde se afirmam diversas crenças e valores que são perpetuados pelas práticas diárias. Estas práticas incluem o modo como se entra na sala, como o sumário é elaborado e a forma como se corrige o trabalho de casa. Incluem igualmente, e num plano mais decisivo, o tipo de tarefas que o professor costuma propor, o modo como encoraja (ou não) a manifestação de dúvidas e opiniões por parte dos alunos, a oportunidade que lhes dá a que argumentem e justifiquem as suas ideias. Todos estes aspectos carregam mensagens implícitas sobre o papel que o professor atribui aos alunos na aprendizagem e sobre as suas expectativas em relação às suas capacidades. Estas crenças e valores têm directamente a ver com a natureza e propósitos da disciplina, como corpo do saber e como prática social (daí a relevância de considerar as questões da epistemologia da Matemática) e também como objecto de estudo (daí a importância de considerar em pormenor os diversos tipo de finalidades do seu ensino).

Para além do conhecimento sobre os factos e procedimentos matemáticos que os alunos adquirem como resultado da sua frequência da disciplina, eles formam uma ideia acerca do que é a Matemática e como se resolvem as tarefas matemáticas, ideia esta que é fortemente determinada pela cultura da Matemática escolar onde aprendem esses factos e procedimentos. Por outro lado, essa noção do que é realmente a Matemática e como se trabalha em Matemática determina em grande medida o modo como os alunos usam, na sala de aula e em contexto extra-escolar — a Matemática que aprenderam.

 

Ambiente de aprendizagem

 

O professor de Matemática deve criar um ambiente de aprendizagem que favoreça o desenvolvimento do poder matemático de cada aluno:

permitindo e estruturando o tempo necessário para explorar profundamente a Matemática e para se familiarizar com ideias e problemas significativos;

usando o espaço físico e os materiais de forma a facilitar a aprendizagem do aluno em Matemática;

oferecendo um contexto que encoraje o desenvolvimento da aptidão e competência matemáticas;

respeitando e valorizando as ideias dos alunos, as suas formas de pensar e a sua predisposição para a Matemática;

e esperando e encorajando constantemente os alunos a:

trabalhar independentemente ou em colaboração de modo a dar sentido à matemática;

aceitar riscos intelectuais, colocando questões e formulando conjecturas;

manifestar um sentido de competência matemática ao validar e defender ideias com argumentos matemáticos.

NCTM, 1994

Normas Profissionais para Ensino da Matemática

 

A aprendizagem da Matemática requer um ambiente onde os alunos possam exprimir com à vontade as suas dúvidas e sugestões, onde se sintam respeitados e valorizados, nos seus contributos para o trabalho colectivo. Isto implica a capacidade de o professor valorizar as suas ideias, encorajar a sua contribuição e respeitar as suas diferenças e dificuldades.

O uso da calculadora e do computador possibilitam o desenvolvimento de um ambiente de trabalho participativo, onde se leva a cabo actividade matemática rica e estimulante. Estes materiais podem ser usados pelo professor, para reforçar o seu domínio do discurso. Mas também podem ser usados para estimular nos alunos uma atitude crítica e investigativa e enriquecer a sua capacidade de raciocínio e de comunicação.

O professor deve desenvolver e integrar tarefas, discurso e ambiente de forma a promover a aprendizagem dos alunos. Deste modo torna-se fundamental que os observe e ouça durante a aula no sentido de lhes colocar questões ou tarefas que desenvolvam o raciocínio e compreensão dos alunos.

 

4.3.2 - Modos de trabalho dos alunos

 

Na sala de aula, o professor pode escolher entre diversas formas de organização do trabalho dos alunos. As formas básicas de trabalho são em colectivo, em pequeno grupo, aos pares ou individualmente. Cada uma delas permite atingir melhor certos objectivos e é mais adequada para a realização de certas tarefas.

O trabalho em colectivo é fundamental nas aulas de Matemática. O professor usa-o habitualmente para apresentar matéria nova, conduzir uma discussão, questionar os alunos ou interrogar em especial um aluno a quem solicita que vá ao quadro. O trabalho em colectivo é decisivo na negociação de significados matemáticos. Trata-se de um modo de trabalho indispensável na introdução de novos conceitos e ideias matemáticas, bem como na apresentação de novas tarefas e na discussão de tarefas já concluídas. É, muitas vezes, usado para realizar discussões com os alunos. Pode, ainda, servir para resolver um problema ou conduzir uma investigação matemática, solicitando o professor o contributo de todos os alunos. No entanto, se usado com exagero, tomando todo o tempo da aula, este tipo de trabalho pode levar muitos alunos a distrairem-se e a deixarem de participar e, o que é mais grave, não permite o desenvolvimento de determinado tipo de competãncias e capacidades que exigem esforço individual ou interacção com outros colegas. Por isso, é importante que o professor seja capaz de dosear convenientemente este tipo de trabalho, conjugando-o com outras formas que facilitem o envolvimento de todos os alunos.

 

Um momento de discussão em trabalho colectivo

 

[Após o estudo da função quadrática]. A professora dialoga com os alunos em torno de questões que conduziram a situações diferentes das que se acabara de estudar, suscitando expectativa e reflexão e possibilitando a intervenção de outras noções. Este diálogo, conduzido pela professora, é construído com base em perguntas e alguns desafios propostos à turma, a que os alunos iam respondendo:

P: Neste momento, o que podemos concluir é que se num ponto f’(x) passa de positiva para negativa, a função tem um máximo relativo. A recíproca será verdadeira? Que acham?

Um aluno: Acho que não.

P: Dá-me então um exemplo.

O aluno não consegue. Ninguém dá um exemplo.

P: Têm de descobrir uma função que tenha um extremo relativo num ponto e que não tenha derivada nesse ponto.

Um aluno, passado um momento: Temos de começar por ver quando é que uma função não tem derivada...

P: E quando é?

O aluno responde correctamente.

P: Um exemplo?

Cria-se um momento de espera. Uma aluna sugere algo que a professora recusa: Muito complicado, quero uma coisa que se veja logo.

Pouco depois outro aluno sugere |x| que é muito bem aceite pela professora: Hoje o Paulo bate-vos aos pontos.

 

Henrique Guimarães, 1988

Ensinar Matemática: Concepções e Práticas

 

Trabalhar em pequeno grupo permite aos alunos expor as suas ideias, ouvir os seus colegas, colocar questões, discutir estratégias e soluções, argumentar e criticar outros argumentos. Em pequeno grupo, torna-se mais fácil arriscar os seus pontos de vista, avançar com as suas descobertas e exprimir o seu pensamento. Por isso, destinar mais tempo ao trabalho em pequenos grupos nas aulas de Matemática é uma das orientações curriculares mais salientes. No entanto, nem todas as tarefas se proporcionam para a realização de trabalhos de grupo. Tarefas muito estruturadas, como a resolução de exercícios, não tiram grande partido da interacção entre os alunos. Cada aluno acaba muitas vezes por resolver os exercícios por si mesmo, não havendo um propósito claro para a actividade do grupo. Tarefas que exigem um elevado grau de concentração, como resolver um difícil problema ou escrever um ensaio, também não são próprias para o trabalho de grupo. Por outro lado, a realização de investigações matemáticas e a execução de projectos são tarefas que podem tirar grande partido da capacidade criativa do trabalho de grupo e da possibilidade dos alunos fazerem eles próprios uma certa subdivisão do trabalho, usando da melhor maneira as capacidades de cada um.

O trabalho em pares tem vindo a conhecer uma importância crescente na aula de Matemática. Este tipo de trabalho proporciona a possibilidade de uma interacção significativa entre os alunos, que podem trocar impressões entre si, com vista à realização da tarefa proposta. Os alunos podem assim participar em dois níveis do discurso da aula — o colectivo e o que desenvolvem com o seu parceiro de aprendizagem. Trata-se de uma forma prática de trabalhar, que não exige, de um modo geral, alterações no espaço físico da sala de aula e que proporciona aos alunos uma certa margem de autonomia. É particularmente adequada quando a tarefa proposta é relativamente estruturada e não exige um elevado nível de concentração individual.

Finalmente, o trabalho individual é também necessário no processo de ensino-aprendizagem da Matemática. O aluno tem de ser capaz de assumir a sua independência e a sua responsabilidade pessoal. O professor tem, também, de saber encontrar momentos para dialogar especificamente com cada aluno, apercebendo-se das suas necessidades e interesses, dando-lhe o apoio directo necessário para que possa progredir. A realização de exercícios, problemas e ensaios são tarefas que se adequam muitas vezes a este modo de trabalho.

 

Diferentes tipos de tarefas e diferentes modos de trabalho 

 

(...) As ideias não estão isoladas na memória, mas sim organizadas e associadas à linguagem natural que se usa e às situações que foram encontradas no passado. Este ponto de vista construtivo do processo de aprendizagem deve reflectir-se no modo como grande parte da Matemática é ensinada. Assim o ensino deve ser variado e incluir oportunidades para:

trabalho de projecto adequado;

propostas para trabalho individual e em grupo;

discussão entre o professor e os alunos e entre os alunos;

prática de métodos matemáticos;

exposição pelo professor.

NCTM, 1994

Normas Profissionais para Ensino da Matemática

 

Cada uma das formas de trabalho tem o seu papel a desempenhar. No entanto, a sua eficácia depende do modo como forem conduzidas pelo professor. Há trabalho colectivo interessante e monótono, trabalho de grupo produtivo e improdutivo, assim como trabalho em pares e individual bem e mal aproveitado. Tudo depende das tarefas propostas aos alunos, serem ou não adequadas ao modo de trabalho estabelecido. E tudo depende, também, do modo como o professor acompanha realização das tarefas e vai gerindo o ambiente de aprendizagem.

 

 

4.4 - A concluir

 

 

Cada professor tem o seu estilo próprio de ensino, estruturando as unidades didácticas, seleccionando as situações de aprendizagem, sequenciando as tarefas e articulando o processo de ensino com os momentos de avaliação. Torna-se, no entanto, importante, que o professor tenha em conta os diversos aspectos estruturante do processo de ensino-aprendizagem, de modo a analisar a adequação da sua prática às características da sua escola e de cada turma e às necessidades individuais de cada aluno.

O facto de não haver uma metodologia universalmente aplicável (nem no ensino secundário nem em qualquer outro nível de ensino), não significa que não existam estratégias de ensino mais adequadas e outras mais desaconselháveis para cada situação concreta. Cabe ao professor conhecer as alternativas disponíveis e conhecer-se a si próprio, sabendo até que ponto é capaz de usar com confiança e desembaraço cada uma delas. Cabe-lhe, também, procurar, através da troca de experiências com os seus colegas, da participação em actividades de formação e em projectos inovadores de investigação ou investigação-acção, aperfeiçoar-se e tornar-se cada vez mais competente no manejo dos instrumentos de análise e das abordagens próprias da sua área profissional.

 

3


[1] Capítulo 4 do livro: Ponte, J. P., Boavida, A., Graça, M., & Abrantes, P. (1997). Didáctica da matemática. Lisboa: DES do ME.

[2] Na versão portuguesa, usa-se o termo “actividade” como tradução de “task”. Optamos aqui pelo termo “tarefa”, uma vez que pretendemos salientar bem a distinção conceptual entre os dois conceitos.

[3]A situação de aprendizagem e as tarefas apresentadas foram desenvolvidas em colaboração por Margarida Graça e Liliana Costa.